“Não podemos perder a Unad”, diz psiquiatra Claudio Jeronimo
Em relatório enviado ao vereador Aurélio Nomura, diretor técnico fala da importância da Unidade de Atendimento ao Dependente Químico e pede que seu fim seja evitado
Desde o dia 5 de março, quando soube do fechamento da Unidade de Atendimento ao Dependente (Unad), o vereador Aurélio Nomura tem demonstrado sua indignação com o encerramento das atividades da única clínica do País especializada no tratamento público de crianças e adolescentes dependentes químicos. Já subiu à Tribuna da Câmara Municipal de São Paulo duas vezes desde então e tem trabalhado para evitar que a entidade feche suas portas no dia 31 deste mês, como está previsto, já que a Prefeitura não vai renovar o contrato com a ONG que administra o espaço.
Depois de ter manifestado sua indignação, o parlamentar tucano se juntou a outros defensores da Unad e tem recebido diversas mensagens, todas com o intuito de impedir que dependentes químicos em tratamento fiquem sem atendimento. Em um relatório enviado ao vereador pelo diretor técnico da entidade, o médico psiquiatra Claudio Jeronimo da Silva afirma que a crise e a descompensação psíquica pelas quais frequentemente passa o adolescente vítima da dependência química é a fase que o deixa mais vulnerável, que sua vida de fato corre risco. “A Unad oferece tratamento para eles nesta fase. Qualquer outro modelo não substitui este. Perderemos a única ferramenta que temos hoje no atendimento dessa faixa etária. Não podemos deixar que isso aconteça.”
Leia abaixo o relatório assinado pelo psiquiatra Claudio Jeronimo da Silva.
Relatório sobre atendimento UNAD – SPDM
A UNAD – Unidade de Atendimento ao Dependente Químico se prepara para fechar as portas no dia 31 de março de 2015. Todos os contratos com os fornecedores do hospital serão encerrados e os quase 98 funcionários estão cumprindo aviso prévio. Na medida do possível a SPDM, que é a ONG que administra a UNAD, vai absorver parte dos funcionários nas outras unidades hospitalares da própria entidade, após serem demitidos da UNAD, mas o problema são para os pacientes e seus familiares, principalmente os adolescentes, que ficarão sem outro local semelhante a este para serem atendidos, porque a UNAD era o único hospital municipal que atendia, sob o regime de internação, dependentes químicos ente 12 a 18 anos.
Desde que a SPDM assumiu a UNAD, em 2013, foram atendidos 620 pacientes. Entre os adolescentes, 100% deles faziam uso de múltiplas drogas. Cerca d e75% deles tinham alguma comorbidade psiquiátrica (doença mental que ocorre junto com o uso de droga) e 100% deles foram internados em momento de crise.
Os principais motivos que levaram à internação foram:
(1) estavam usando muita droga e fugiram do controle dos pais ou familiares, que não conseguiam mais leva-los a um serviço ambulatorial ou CAPS;
(2) estavam usando muita droga e não tinham nenhum suporte social ou familiar e se encontravam em situação de rua;
(3) estavam usando muita droga e tiveram a doença mental associada ao uso descompensada;
(4) estavam usando muita droga e em função disso entraram em conflito com a lei e o juiz os encaminharam para tratamento; A média de idade dos adolescentes atendidos foi de 15,9 anos. O principal encaminhador foi o CAPS. Mesmo os pacientes internados por ordem judicial, passaram por avaliação prévia de um médico dos CAPS. 17, 68% das internações foram compulsórias, ou seja, pacientes eram usuários de drogas grave que em função de algum conflito com a lei, o juiz encaminhou para tratamento. O DEIJ, fórum Ipiranga, são exemplos de encaminhadores do Judiciário.
O projeto terapêutico da UNAD incluía a intervenção e acompanhamento da crise sempre conectando o paciente com o processo de tratamento no CAPS. A média de internação era de 45 a 60 dias podendo ser uma pouco maior nos casos em que o paciente tivesse pouco suporte social ou familiar. Os paciente saiam para visitar os CAPS, faziam atividades fora como visitas a lanchonetes, cursos, boliche, e recebiam atividades culturais como foi o caso da visita do doutores da alegria, entre outras atividades. Não se trata, portanto, de uma internação alienada no processo de tratamento ambulatorial e nem do contexto social, mas que visa a estabilização psíquica, a intervenção da crise e a retomada do equilíbrio para que o paciente possa seguir se tratando e vivo.
Esse espaço de tratamento e estabilização da crise, na dependência química, é muito importante não apenas para a retomada do tratamento quando se dá a recaída, mas para proteção da vida, uma vez que o adolescente atendido pela UNAD tem uma dependência grave, com doença mental associada e pouco suporte social. Este adolescente, durante a crise, corre de fato, risco de morrer.
A dependência química é uma doença complexa que tem na sua gênese questões biológicas, psíquicas, sociais, ambientais, familiares. O curso da doença é também complexo e o paciente, em especial o adolescente com a gravidade daquele atendido pela unad, passa por muitas crises durante o tratamento, que colocam em risco sua integridade e a sua vida. A recuperação também é complexa e exige medidas de tratamento à altura. Para que todas as necessidades dos pacientes sejam atendidas, em todas as fases deste processo, é necessário que haja espaços de tratamento diferenciados. A crise e a descompensação psíquica pelas quais frequentemente passa o adolescente vítima da dependência química é a fase que o deixa mais vulnerável, que sua vida de fato corre risco. A UNAD oferece tratamento para eles nesta fase. Qualquer outro modelo não substitui este. Vai ficar faltando a UNAD. Perderemos a única ferramenta que temos hoje no atendimento dessa faixa etária. Não podemos deixar que isso aconteça.
Cláudio Jeronimo da Silva
Diretor técnico da UNAD
Professor afiliado do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP